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Ruptura: por que separar a vida pessoal da vida profissional é uma ficção

Nova série da AppleTV+ traça um panorama assustador e atual dos dilemas do ambiente corporativo. Que lições podemos tirar?

Ruptura: Série da AppleTV+ fala sobre separar vida pessoal da vida profissional
Diego Assis Prof. Roberto Sachs
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É preciso separar a vida pessoal da vida profissional.

Esse é um daqueles conselhos batidos, que todo mundo dá e escuta, mas é tão bom quanto difícil de colocar em prática.

Isso porque a vida é uma só. Seja em casa ou no trabalho você é uma só pessoa e, inevitavelmente, vai acabar carregando os seus problemas e dores com você para onde quer que vá.

Mas nada é impossível para a ficção.

Uma nova série da AppleTV+, chamada Ruptura, resolveu imaginar como seria se a gente pudesse literalmente desligar uma chavinha na cabeça ao final do expediente e deixar os problemas do escritório guardados na gaveta até o dia seguinte.

Quem já viu alguns episódios de Ruptura sabe que, por mais tentadora que pareça, o resultado da experiência não é nada animador…

No artigo a seguir vamos discutir alguns dos conceitos da série e ver como eles refletem os dilemas do mundo do trabalho de hoje. Além da tentativa de separar vida pessoal e vida profissional, Ruptura aborda temas como a construção de relacionamentos e laços afetivos no trabalho, as barreiras de comunicação entre departamentos, a falta de transparência das lideranças, a cultura do medo e os conflitos éticos da tecnologia e da ciência.

Recomendamos que você assista à série, mas mesmo se não tiver visto, vai notar que muitos dos temas aqui discutidos reproduzem situações que todos nós vivemos ou ainda vamos viver no trabalho. Afinal, assim como não dá para separar vida profissional da vida pessoal, também é difícil separar realidade de ficção quando se fala em Ruptura.

Sobre o que é a série Ruptura e o que ela tem a ver com o meu trabalho?

Ruptura é uma série de TV do serviço de streaming AppleTV+ criada por Dan Erickson e estrelada por Adam Scott, Britt Lower, John Turturro, Patricia Arquette e Christopher Walken.

A série, que em inglês foi batizada de Severance, é produzida e dirigida pelo ator Ben Stiller, conhecido por comédias como Zoolander e Uma Noite no Museu. Apesar disso e de até contar com alguns momentos cômicos, a série tem uma atmosfera sombria e de suspense. Alguns críticos já se referiram a ela como uma mistura de Black Mirror com The Office.

Veja a seguir o trailer da primeira temporada de Ruptura:

A primeira temporada de Ruptura nos apresenta a Mark S., um funcionário padrão de uma empresa chamada Lumon que é promovido a chefe de departamento depois que seu melhor amigo é subitamente desligado do trabalho.

Logo em seu primeiro dia na nova função, Mark é encarregado de dar as boas vindas e fazer a integração de Helly, uma nova funcionária que parece ter caído de paraquedas na sala de reuniões da empresa. Em sua primeira entrevista, ela demonstra não saber direito quem é ou o que está fazendo ali. Helly parece estar sofrendo de algum tipo de amnésia.

Mas não é só ela. Todos os funcionários do setor de refinamento de macrodados, o departamento agora comandado por Mark e que se ocupa basicamente de separar números aleatórios em uma tela de computador monocromática, sofrem do mesmo mal: enquanto estão no trabalho, eles não se lembram de nada da vida que levam fora dele, e vice-versa.

Isso só é possível porque a Lumon implanta um chip na cabeça dos empregados para que eles desenvolvam uma memória espacial. Ou seja, no momento em que pegam o elevador para acessar o escritório, todas as suas memórias da vida externa ficam bloqueadas. E sempre que deixam o prédio para voltar para casa à noite, são incapazes de se lembrar do que fizeram em seu dia de trabalho.

Incrível, não é mesmo? Bem, a princípio podemos imaginar que sim. Afinal, logo ficamos sabendo que o procedimento de implantação do chip só é realizado com o consentimento dos funcionários. Mas no momento em que os primeiros elementos do mundo externo começam a vazar para o interior da Lumon, uma estranha sensação de vazio, misturada a uma sede por conhecimento, toma conta dos funcionários da empresa.

Como toda boa obra de arte, Ruptura funciona como uma metáfora sobre os limites entre a vida profissional e a vida pessoal. Por mais que tentemos determiná-los de maneira superficial, cedo ou tarde, elas vão acabar se misturando.

Nem tente separar! Vida pessoal e vida profissional são complementares

Se na vida real é praticamente impossível separar o trabalho do pessoal, então como fazer para que uma coisa não atrapalhe o desempenho da outra no dia a dia?

Estrela da Vida da Rock EnsinaUma analogia que gostamos de fazer na Rock Ensina é a da Estrela da Vida. Imagine que sua vida é simbolizada por uma estrela de 5 pontas, cada uma delas representada pelos aspectos abaixo:

  • Estudo e Trabalho
  • Família e Relacionamentos
  • Saúde Mental e Física
  • Saúde Financeira
  • Lazer

Não adianta colocar toda a sua energia no trabalho ou nos estudos ao custo de sua saúde mental e física. Da mesma maneira que não basta garantir sua segurança financeira sem abrir espaço para o convívio em família ou o lazer com os amigos.

 

Sem dar muitos spoilers, esse é um dos principais erros que os personagens de Ruptura cometem: para se livrar, ainda que temporariamente, dos problemas pessoais, eles decidem mergulhar no trabalho. Como resultado, a vida social e em família fica em segundo e a saúde mental logo dá sinais de esgotamento.

É necessário reforçar que vida pessoal e vida profissional são complementares. Em vez de tentar separar o inseparável, a dica é sempre buscar o equilíbrio entre as 5 pontas da sua Estrela da Vida.

Uma boa noite de sono ou um final de semana com pessoas queridas tem um poder reparador infinitamente maior do que qualquer chip ou procedimento artificial que a tecnologia ainda venha a inventar.

Você não é um robô. A importância dos afetos no ambiente de trabalho

Outro aspecto importante no roteiro de Ruptura trata dos relacionamentos afetivos entre os funcionários da Lumon. Seja dentro do setor de macrodados ou mesmo entre departamentos, expressões exacerbadas de afeto não são incentivadas.

Em uma cena emblemática do primeiro episódio, Mark recebe de sua chefe a notícia da promoção para o cargo de liderança. Depois de comunicar a decisão ela completa, com frieza: “Um aperto de mão está disponível, caso seja solicitado”.

A não ser em momentos bem específicos, artificiais e constrangedores de integração entre os funcionários promovidos pelo RH da Lumon, eles não são incentivados a fazer amizades ou trocar impressões pessoais sobre o trabalho. Sob o risco de sofrerem severas punições.

Logicamente que esse é um cenário um tanto exagerado, para fins de ficção, mas a verdade é que muitas empresas ainda tratam os relacionamentos afetivos entre seus funcionários como uma mera formalidade. Se de um lado incentivam encontros periódicos em datas e locais determinados, no dia a dia a pausa para o cafezinho ou as conversas de corredores são muitas vezes mal-vistas.

Pelo contrário. Encontrar assuntos e paixões em comum e incentivar a aproximação dos colaboradores em temas que não sejam o trabalho é uma das melhores maneiras de desenvolver naturalmente um espírito de equipe e favorecer a comunicação entre eles.

Vamos, portanto, desfazer outro clichê do mundo corporativo: Amigos, amigos. Negócios à parte? Que nada! É melhor juntar os dois e aplicar uma gestão mais humana em sua empresa (H2H). A não ser que queira abrir mão de vez de pessoas e contratar robôs!

Informação não é poder. Comunicação transparente é poder

Outro dos erros clássicos da Lumon na série – mas que na visão corporativa deles é um acerto – está em controlar com mão de ferro a circulação de informações dentro da empresa.

Uma das maneiras de fazer isso, que já foi citada aqui, é a de impedir os departamentos de conversarem entre si. Os funcionários do setor de refinamento de macrodados não fazem ideia do que a equipe de óptica e design está aprontando.

Ainda mais grave: nem os próprios funcionários do setor de macrodados sabem exatamente em que ou por que estão trabalhando. Eles apenas têm de separar números em uma tela, mas não compreendem que partes de uma engrenagem maior estão fazendo girar ao completarem as suas tarefas.

Por mais que se pareça com enredo de histórias de futuro distópico como 1984 de George Orwell, mais uma vez Ruptura toca em um problema bem real do mundo do trabalho. Real e antigo.

A separação do trabalho em partes menores de uma linha de montagem, ou a alienação da mão de obra, é um dos principais efeitos colaterais da Era Industrial. E por mais que tenhamos evoluído, ela ainda se faz sentir quando as lideranças das empresas sonegam informações referentes ao trabalho de seus próprios funcionários.

Transparência na comunicação e compartilhamento de informações é a chave para engajar equipes, motivar e unir colaboradores em torno de um propósito comum. E a melhor maneira de colocar isso em prática é adotar um modelo de gestão à vista em sua empresa.

Personagem Helly em imagem da série Ruptura

Cultura do medo e a verticalização do trabalho

Que tal desmontar outra falácia do ambiente corporativo? Manda quem pode, obedece quem tem juízo.

A frase é ainda bastante repetida em muitas empresas por aí e representa exatamente o que vivem no dia a dia os funcionários da série Ruptura.

As decisões da chefia e do conselho não podem ser questionadas. Na Lumon impera a cultura do medo, os gritos e, ainda pior, os silêncios intimidadores que fazem com que os colaboradores entrem em pânico sempre que tenham de interagir com instâncias superiores. Erros são punidos com castigos físicos e psicológicos em uma sala batizada de Break Room (que na tradução pode remeter tanto à uma pausa do trabalho quanto a “break” de quebrar mesmo).

Se por muitos anos isso foi visto em escolas e até algumas empresas como sinal de impor disciplina, a verdade é que no mundo contemporâneo são práticas intoleráveis, tratadas no melhor dos casos como crime de assédio moral.

Novas gerações de trabalhadores, especialmente os millennials e geração Z, não toleram conviver em ambientes de trabalho onde a cultura do medo e a verticalização excessiva são a regra. Não por acaso, na série Ruptura, é a funcionária mais jovem, recém-contratada, quem resolve bater de frente com a maneira da Lumon tratar seus colaboradores.

Fenômenos recentes como o da Grande Renúncia, presente nos Estados Unidos ou mesmo no Brasil, mostram que, em ambientes tóxicos assim, quem tem juízo não só não obedece como são os primeiros a caírem foram, de cabeça erguida.

Os limites éticos da tecnologia e da privacidade

Se Ruptura aborda inúmeros problemas que não são de hoje no mercado de trabalho, a série aponta também para algumas questões cruciais do presente e até do futuro próximo, como o direito das empresas de controlar a vida e as informações de funcionários e clientes.

O contrato que os colaboradores da Lumon precisam assinar para ter o chip do esquecimento implantado em suas cabeças lembra, de certa forma, alguns contratos que somos obrigados a assinar quando aceitamos um novo trabalho ou mesmo quando assinamos um serviço digital.

Neles, renunciamos a uma série de direitos sobre nossa privacidade e cedemos às empresas o direito de controlar aspectos importantes de nossas vidas – profissionais ou particulares, como são os registros que depositamos diariamente em nossas contas de redes sociais controladas por grandes corporações.

Até que ponto as empresas têm o direito de controlar, manipular e fazer uso comercial dessas informações? Quais são os limites éticos de pedir que as pessoas abram mão de direitos fundamentais, como o da própria memória, em troca do acesso a serviços e benefícios que podem ser revogados unilateralmente a qualquer momento?

As respostas não são simples e provavelmente não estarão disponíveis nas próximas temporadas de Ruptura ou de qualquer outra obra desse tipo. Mas é importante refletir sobre elas e sobre quais decisões tomar para garantir que as rédeas de nossa própria vida estejam sempre sob nosso controle.