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Round 6 e as lições da Onda Coreana para o marketing

Round 6, nova série sul-coreana da Netflix

Foto: Divulgação/Netflix

Diego Assis
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Seja na internet ou nas salas de reunião do escritório um assunto tem dominado a pauta das conversas nos últimos dias: a nova série da Netflix “Round 6”. O hype em torno da produção sul-coreana é tamanho que, praticamente em todos os países onde ela está disponível, “Round 6” ocupa há semanas o primeiro lugar como o programa mais visto da Netflix.

Mas o que é que “Round 6” tem de tão especial, afinal? E por que é que até aqui no blog da Rock Ensina você vai ser “obrigado” a ouvir mais sobre ela?

Nada é por acaso. A ideia é mostrar como “Round 6” é só mais uma peça de uma engrenagem gigante – e muito bem azeitada – que tem transformado a cultura pop no principal e mais lucrativo produto de exportação da Coreia do Sul das últimas décadas.

O despertar do tigre e a Onda Coreana

Muitos aqui ainda devem se lembrar das aulas de geografia da escola em que a Coreia do Sul era descrita como um dos Tigres Asiáticos. Juntamente com Cingapura, Taiwan e Hong Kong, a Coreia do Sul experimentou um período de crescimento econômico e social acelerado a partir da década de 1980, com investimentos arrojados na educação e na indústria local com vistas à exportação.

Se até a década de 1990 os eletrônicos na sua casa ou os carros que você dirigia eram em sua esmagadora maioria de empresas norte-americanas, europeias ou japonesas, de lá para cá isso mudou significativamente. São grandes as chances de você estar lendo estas linhas em um celular Samsung, num monitor da LG ou no banco do passageiro de um carro da marca Hyundai.

O que nem todo mundo ainda se atentou é que, se não você, a música que seus filhos ouvem, o game que eles jogam e, claro, a série de TV que todo mundo está comentando também são produtos da Coreia do Sul.

Isso se explica porque a partir de meados dos anos 90, o governo sul-coreano declarou oficialmente a cultura e a economia criativa um de seus principais itens de exportação. A estratégia incluiu a criação de leis que destinavam parte do orçamento do país à indústria do entretenimento, política de cotas para filmes nacionais nas telas de cinema e televisões, além do investimento em tecnologias para o setor e a abertura de escolas que formavam profissionais de cinema, música e games.

Batizada de Hallyu, ou Onda Coreana, essa iniciativa rendeu frutos que passaram a ser colhidos já na primeira década do século 21, com a popularização internacional dos grupos de K-pop e filmes como “Oldboy” (2003) e “Parasita” (2019), primeira produção sul-coreana na história a vencer um Oscar de melhor filme.

“Round 6” e o apelo universal do pop coreano

Apesar de todo o interesse recente em torno de “Round 6”, é preciso admitir que a série exibida na Netflix desde setembro não tem nada de muito original.

Conta a história de um grupo de personagens com problemas financeiros diversos, à beira do colapso, que topam tudo por dinheiro. Ciente da fraqueza deles, uma organização misteriosa coloca todos em uma espécie de campo de batalha em que quem vencer ganha dinheiro e quem perder, literalmente, perde a vida.

A série lembra obras como o mangá “Battle Royale” e o filme “Jogos Vorazes”, e vem recebendo inclusive acusações de ter plagiado o filme japonês “As the Gods Will”, de 2014.

O criador Hwang Dong-hyuk nega o plágio, mas admite que leu muitos mangás e assistiu a muitos animes japoneses antes de escrever a história de “Round 6”.

Por mais que seja falada em coreano e filmada no país, a série tem elementos e personagens de apelo universal que se conectam, pelo menos no nível da imaginação, com todo mundo que um dia já se viu em desespero, endividado, sem emprego e no aperto de grana.

Ao olharmos mais a fundo, essa fórmula do sucesso de “Round 6” é exatamente a mesma de outros produtos culturais sul-coreanos: eles são pensados sempre mirando uma audiência global, com influências da cultural ocidental e muitas vezes recheados de expressões em inglês, como é o caso por exemplo das músicas do BTS, provavelmente a maior boy band do planeta desde os Beatles.

Embora tenha sido claramente desenhada para fortalecer a economia local e transformar a Coreia do Sul numa potência cultural, a Onda Coreana nunca escondeu seu caráter multicultural e globalizado. Até como reação ao nacionalismo exacerbado dos tempos da ditadura das décadas de 60 a 80.

A prova de que isso tem funcionado é que séries e programas de muito sucesso hoje no Ocidente, como “The Good Doctor” e “The Masked Singer”, ambas exibidas pela Globo no Brasil, são produções originalmente criadas na Coreia do Sul.

Netflix e os novos modelos de distribuição de cultura

Se até alguns anos atrás toda obra artística precisava de uma gravadora ou um grande estúdio de cinema por trás para conquistar visibilidade internacional, com a internet e o entretenimento digital tudo mudou.

Antes de fecharem acordo com distribuidoras internacionais de peso, os grupos de K-pop ou as séries de TV sul-coreanas já faziam sucesso com plateias ocidentais graças ao esforço das comunidades de fãs na internet.

Trata-se de uma mudança de paradigma muito importante. Se antes quem definia o que o mundo ia consumir, em termos de cultural, eram os grandes conglomerados e grupos de mídia ocidentais, com a internet foram os fãs que passaram a fazer essa curadoria e apontar os caminhos para o investimento das majors.

Produto desses novos tempos, a Netflix captou isso muito bem e tem sido agressiva na compra e distribuição de conteúdos de diversas partes do mundo de olho não só no impacto local dessas aquisições, mas também no apelo global que muitas delas demonstram. Vide fenômenos como o espanhol “La Casa de Papel”, o turco “Milagre na Cela 7” e as produções asiáticas como mangás e dramas coreanos (chamados também de “doramas”).

Só no Brasil, existem mais de 60 produções sul-coreanas no catálogo da Netflix. Segundo dados da empresa — e ainda sem considerar o estouro de “Round 6”–, a audiência desses conteúdos teve um crescimento de 120% no ano de 2020 entre o público brasileiro.

5 lições de marketing que podemos aprender com a Onda Coreana

Por mais que alguns ainda possam pensar que a Onda Coreana possa ser um fenômeno passageiro, o crescimento de sua influência nas últimas duas décadas sugere que ela ainda vai ganhar mais força e continuar a se espalhar.

Mais do que encarar com preconceito ou rejeitar o que vem de fora, é importante para quem lida com marketing e negócios tirar algumas lições da estratégia usada pela indústria pop sul-coreana.

Vejamos algumas delas abaixo:

1. Crescimento com investimento público e privado. Seja no cinema, na televisão ou na indústria musical, a Onda Coreana jamais teria chegado até nós não fosse uma detalhada e robusta política de governo para abrir linhas de investimento e criar oportunidades e empregos para produtores locais. Até mesmo grandes empresas como Samsung e Hyundai chegaram a colocar dinheiro em produtos culturais graças a benefícios fiscais do governo e com vistas aos potenciais de lucro.

2. Criação de produtos com apelo universal. Como já dito, apesar de muitos ainda preservarem a língua sul-coreana, praticamente todos os produtos pop de exportação da Coreia do Sul lidam com temas e dores universais em seus personagens. Por conta disso, em vez de permanecerem para sempre confinados a nichos, seus produtos são cada vez mais integrados ao mainstream ao ponto de rivalizarem com as grandes marcas do Ocidente, que por décadas dominaram o mercado da cultura.

3. Uso da internet como aliada. Novamente, driblando os esquemas estabelecidos de distribuição de bens culturais, a Onda Coreana se aproveitou da disposição de jovens millenials e da Geração Z para espalhar seus produtos mundo afora. Um dos primeiros e mais conhecidos sucessos globais do pop coreano foi o hit “Gangnam Style”, do cantor Psy, que se tornou um dos maiores fenômenos virais de 2012 graças ao YouTube.

4. Consistência de produção. Embora se fale muito em BTS ou BlackPink, dois dos grupos de K-pop mais famosos no mundo hoje, a verdade é que a lista de grupos do gênero é de centenas. Como numa linha de montagem, todo ano, diversos novos nomes do K-pop chegam ao mercado, conquistam novos fãs mundo afora e ajudam a engrossar a Onda Coreana. O mesmo se dá com o volume de produção de filmes e séries de TV, que segue a todo vapor, fornecendo conteúdo não só para plataformas como Netflix e Amazon Prime, mas também para as salas de cinema da Coreia do Sul e de toda a Ásia. (Para se ter uma ideia, mesmo com o fim da política de cota de tela no país, atualmente mais de 50% dos filmes que estreiam nos cinemas sul-coreanos são produções locais).

5. Diversificação de produtos. Estratégia bem conhecida e adotada no mundo do marketing tradicional, a diversificação de produtos é uma das chaves para garantir o faturamento da indústria musical sul-coreana. Em vez de se apoiar apenas no lançamento de discos e na renda de shows, os grupos de K-pop lançam semanalmente uma infinidade de subprodutos como livros, edições especiais, itens de vestuário e colecionáveis, que garantem recorrência de compra, maior faturamento para o negócio e a presença constante das marcas/grupos no imaginário do público-alvo.