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A fórmula de Schumacher: controle, perfeccionismo e aversão ao erro

O piloto de fórmula 1 Michael Schumacher: controle e perfeccionismo nas pistas

Foto: Divulgação

Diego Assis
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Quando se pensa em ídolos carismáticos da Fórmula 1, muitos lembram de Ayrton Senna ou do atual heptacampeão Lewis Hamilton. Poucos citariam o nome do alemão Michael Schumacher.

Primeiro da história a conquistar 7 títulos da categoria, em 2004, o chamado “alemão voador” só foi alcançado por Hamilton 16 anos depois.

Goste ou não dele, Schumacher é considerado pelos especialistas no esporte um dos maiores pilotos de todos os tempos. Carisma, porém, nunca foi seu forte. Pelo contrário, durante seus 18 anos de carreira, conquistou fama de brigão, antipático e do cara que fazia qualquer coisa para vencer, até trapacear.

Em diversas ocasiões, não pensou duas vezes antes de jogar o carro contra seus adversários, na tentativa de tirá-los das pistas. Seu apelido na imprensa era Dick Vigarista.

Mas um documentário que chegou recentemente ao catálogo da Netflix revela um retrato mais multifacetado de Schumacher. O de uma pessoa obcecada pela perfeição e movida a desafios, mas que entre amigos e familiares era visto como um grande brincalhão.

Para quem olhava de fora, entretanto, o piloto era visto como um sujeito fechado, difícil de ganhar confiança. Uma espécie de lobo solitário.

Quando conhecemos melhor a sua história, através do documentário “Schumacher”, percebemos que o alemão tem as características comuns a muitos líderes de perfil controlador e obcecado por resultados cada vez mais ambiciosos. Com todas as vantagens e desvantagens que vêm nesse pacote.

Na coluna Pop Ensina de hoje, convidamos você a dar uma volta com a gente no carro e na trajetória desse controverso campeão e a olhá-lo sob um novo prisma: o prisma da nossa Trilha das Cores.

O perfeccionismo é azul; a vitória é vermelha

Como alguns aqui já sabem, a Rock Ensina trabalha com quatro cores básicas para identificar os diferentes perfis comportamentais das pessoas na vida e no trabalho: Azul, Verde, Amarelo e Vermelho.

A cor azul é associada a pessoas extremamente racionais e perfeccionistas, que gostam de estar sempre no controle de tudo. Já a cor vermelha, normalmente encontrada em empreendedores e líderes focados na ação, é a cor do pragmatismo, da busca do resultado a todo custo, sem se preocupar com as curvas do caminho.

Michael Schumacher era exatamente esse cara. Um típico azul, até no estilo de dirigir: controlado, concentrado, obcecado por números e detalhes que o fariam mais rápido por milésimos de segundos. Sua meta era melhorar o carro todo dia.

Assim como a sua escuderia mais conhecida, a Ferrari, pela qual conquistou cinco de seus sete títulos, Schumacher também tinha bastante do perfil vermelho. Ele não aceitava qualquer coisa que não fosse a vitória.

“Busco 100% de perfeição. Atingir 100% é o meu objetivo. Sou esse tiipo de pessoa, e não aceito menos do que isso”, afirma Schumacher em um trecho do documentário.

Sua crença no resultado era tão forte que o piloto costumava ignorar alguns “detalhes” como o risco à própria vida quando entrava acelerando em uma curva a 200 km/h. Isso porque confiava profundamente na própria capacidade e de seus mecânicos.

Aqui nesse blog já falamos um pouco sobre isso: a estratégia 70×100 de tomada de decisão. Quando você tiver 70% de certeza de que tem as informações corretas para decidir, decida e se comprometa 100% com o resultado.

Por que Schumacher nunca foi verde e amarelo?

A resposta pode soar óbvia — claro, porque ele é alemão! –, mas não é da bandeira brasileira que estamos falando aqui. Mas do verde e amarelo da Trilha das Cores.

Como todas as pessoas que têm perfis azuis ou vermelhos muito intensos, Schumacher demonstrava baixos índices de verde (capacidade de comunicação e de se relacionar bem com o outro) e amarelo (espaço para contemplação e criatividade) dentro das pistas.

Suas dificuldades de relacionamento com os demais pilotos — leia-se brigas que quase chegavam às vias de fato — eram notórias. E sua entrega para o trabalho era tão grande que costumava ser o primeiro a chegar e o último a sair dos treinos, mergulhado em testes e reuniões para deixar o carro do jeito que queria.

Sua mulher, Corinna, conta no documentário que passava o dia todo no trailer esperando por ele, e saídas a restaurantes ou festas eram raridade nos países em que eles visitavam às vésperas das corridas.

Esse desequilíbrio entre trabalho e vida pessoal já foi descrito em um modelo chamado Estrela da Vida. Para alcançar o equilíbrio, é preciso preencher as cincos pontas dessa estrela: Estudo e Trabalho, Relacionamento e Família, Saúde Mental e Física, Saúde Financeira, Lazer.

A estrela de Schumacher claramente pendia para a ponta do Trabalho, mas o documentário mostra também que o alemão se empenhava para reforçar as outras pontas. Quando não estava em temporada, levava a família toda para viajar. E mesmo dentro dos boxes era visto como um cara atencioso com todos, do mecânico ao cozinheiro.

Até um de seus maiores rivais nas pistas, o finlandês Mika Hakkinen, acabou se tornando seu amigo e conseguia separar o Schumacher dentro do cockpit daquele fora dele.

Na corrida mais importante de sua carreira, que lhe deu o primeiro título pela Ferrari, em Suzuka, em 2000, Schumacher jogou o carro contra Hakkinen logo na largada, mas o rival revidou e, durante a corrida toda, eles se alternaram na primeira colocação. No final, Schumacher venceu por pouco, graças ao trabalho nos boxes do time da Ferrari.

“Sua abordagem para a vitória era não ter medo. Ele não pensava que ele ou alguém mais poderia se ferir. Tínhamos as nossas vidas, mas na pista éramos rivais, lembra Mika.

Schumacher, o antifrágil

A determinação de Michael Schumacher por vencer, não importassem os obstáculos, veio desde muito cedo. Filho de uma família de classe média, donos de um pequeno restaurante, ele nunca imaginou que um dia viria a se tornar piloto de Fórmula 1, esporte geralmente associado a famílias ricas, que podem bancar os altos custos dos carros.

Mas Ralf Schumacher, pai do piloto, tinha um talento extra para a mecânica e logo cedo construiu um kart para Michael usando o motor de uma velha lambreta da família. Os pneus, muitas vezes, eram resgatados do descarte dos karts que o pai consertava em pistas pequenas na Alemanha, para onde levava o filho para correr.

Isso nunca foi um problema para ele. “Usávamos o equipamento mais barato. Pegava pneus do lixo, colocava no kart e ganhava corridas com eles. Sempre ficava feliz em ganhar com o pior e não com o melhor equipamento. Tendo que lutar assim, foi uma motivação extra pra mim”, lembra o piloto em outro trecho do documentário da Netflix.

Essa característica de antifragilidade, de crescer diante das adversidades, acompanhou Schumacher por toda sua carreira. Em 1997, quando chegou à Ferrari depois de recusar proposta da McLaren, então uma equipe muito mais competitiva, Schumacher sabia da qualidade bem inferior do carro da escuderia italiana.

Depois de ser bicampeão pela Benetton, ele passou três temporadas correndo com um carro inferior, conquistando vitórias apenas nas condições mais adversas, como quando chovia demais na pista e sua pilotagem técnica permitia superar motores mais fortes. Mas ele foi resiliente, trabalhava incansavelmente com os mecânicos até que, em 2000, conseguiu garantir o título que a Ferrari não conseguia desde 1979. Dali em diante foram outros quatro campeonatos seguidos, um feito raramente visto na F1 até então.

Toda vez em que os obstáculos desapareciam, no entanto, Schumacher perdia a motivação. Em 2006, aposentou-se temporariamente das pistas e foi se dedicar com a mesma obsessão a hobbies que desafiavam o perigo: saltar de paraquedas, mergulhar e esquiar — paixão antiga que, anos depois, acabaria levando a um trágico acidente que o colocou num coma em que resiste até hoje.

Quando a perfeição se choca com a vida imperfeita

Em um dos episódios mais emblemáticos da carreira de Schumacher como piloto de F1, no GP da Bélgica de 1998, o alemão partiu para cima de David Coulthard após uma batida que o tirou da corrida. Schumacher liderava com folga sob forte chuva e, quando tentou ultrapassar Coulthard numa curva, o escocês freou e Schumacher bateu atrás, perdendo a dianteira do seu carro. Em mais de um de seus ataques de fúria, o alemão foi até o boxe para agredir o rival e precisou ser contido.

O episódio ilustra como pessoas excessivamente competitivas podem perder a cabeça e passar do ponto quando são obrigadas a se confrontar com um erro.

Mesmo quando jogava seu carro contra os rivais, o alemão costumava sustentar que estava fazendo a coisa certa. Ele possuía uma espécie de paranoia pela perfeição e pelo controle em que sempre pensava que podia fazer mais para provar que era o melhor sobre os adversários. Mesmo errado, ele jamais se desculpava.

Coulthard lembra que se encontrou com Schumacher depois que os ânimos esfriaram e conversou sobre o acidente. “Eu aceito meu papel na batida, mas você precisa assumir que também teve responsabilidade, você bateu por trás!” Schumacher não admitiu. “Com certeza você deve errar às vezes”, insistiu Coulthard. E o alemão: “Não que eu me lembre”.

Essa obsessão de Michael pela perfeição, que por tanto tempo o colocou sempre entre os primeiros, se chocou com a realidade, imperfeita por definição. Depois de tanto tempo desafiando a morte em alta velocidade, seu infeliz acidente de esqui, mostrou da pior maneira que o acaso por vezes pode levar a melhor no final.

Mesmo não admitindo, Schumacher contou por muitos anos com a sorte. Até que um infortúnio, que não conseguiria controlar mesmo que quisesse, acabou por tirá-lo de circulação para sempre.

Como dizia Churchill, o caminho para o sucesso nem sempre é uma sucessão de vitórias, mas é o caminho que a gente percorre até lá, de fracasso em fracasso.