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Os Eternos e o poder das lideranças femininas

Chloé Zhao com Richard Madden e Gemma Chan no set de Os Eternos
Diego Assis
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Desde que foi lançado, na primeira semana de novembro, Os Eternos vem dividindo opiniões de fãs e críticos. Seria este o pior filme da Marvel nos cinemas? Ou muito pelo contrário, o mais belo e revolucionário de todos? Talvez você tenha sua própria opinião nesse debate, mas acima de tudo uma coisa é indiscutível: Os Eternos é sem dúvida o filme da Marvel em que temas como diversidade e liderança feminina foram mais bem representados.

E por que isso é importante? Bem, em primeiro lugar porque há mais de uma década praticamente todo filme lançado pelos estúdios Marvel (parte do conglomerado Disney) tem se transformado em um verdadeiro evento na cultura pop. Homem de Ferro, Capitão América, Os Vingadores… é quase impossível passar incólume. Seja porque os filmes dominam as salas de cinema e se tornam campeões de bilheteria, seja porque seus heróis saltam das telas e estampam camisetas, mochilas, canecas e tudo o mais que você possa imaginar.

Arrisco dizer, com quase 99% de certeza, que você nunca ouviu falar dos Eternos, grupo bastante obscuro de super-heróis criado por Jack Kirby, nos anos 70, para os gibis da Marvel.

Mas também já posso cravar que, se não você, muito provavelmente o seu filho(a) ou sobrinho(a) já sabe de cor o nome dos dez personagens que formam o time (Ajak, Ikaris, Sersi, Thena, Gilgamesh, Phastos, Sprite, Druig, Makkari e Kingo). Ele(a)s não precisam ter lido os velhos gibis pra saber disso. Basta terem comprado um McLanche Feliz que Os Eternos já estão lá, estampando as caixinhas e instigando as crianças a colecionar todos os bonequinhos.

Goste você ou não, os filmes da Marvel têm esse poder: eles movimentam o consumo e introduzem discussões no ambiente de trabalho, na escola ou no almoço de família.

E Os Eternos traz à tona conversas urgentes e importantes que vão muito além do mundo do cinema, dos efeitos especiais ou de sua trama fantasiosa, repleta de deuses e criaturas superpoderosas.

Trata-se do filme da Marvel com elenco mais globalizado e diverso de todos, e um filme onde a força de lideranças femininas é sentida a cada momento tanto diante quanto por trás das câmeras.

E a culpa disso tudo é de uma diretora chamada Chloé Zhao, nascida na China e segunda mulher da história a vencer um Oscar, com Nomadland, de 2020.

Um épico da Marvel sob a liderança de uma mulher

Quando foi contratada, em 2018, como diretora de Os Eternos, projeto mais ambicioso do estúdio Marvel depois da trilogia de Os Vingadores, Chloé Zhao era praticamente desconhecida do grande público.

Tinha feito apenas dois longas-metragens (Songs My Brother Taught Me e The Rider) bem recebidos no circuito de festivais, mas nada parecido do que seria coordenar uma equipe de uma superprodução hollywoodiana e um elenco que inclui estrelas do nível de Angelina Jolie, Salma Hayek e outros.

Com seu jeito tranquilo, mas ainda assim seguro e assertivo, Chloé Zhao foi convencendo um a um de que estava à altura da missão. O chefão da Marvel, Kevin Feige, por exemplo, conta que decidiu que era ela a melhor escolha depois que Zhao pegou um punhado de areia na mão, recitou um poema de William Blake e sugeriu que há mais beleza contida em um grão de areia do que podemos imaginar.

Conhecida por realizar belas tomadas externas em seus filmes anteriores, a diretora convenceu os figurões da Marvel ainda a trocar os tradicionais estúdios de fundo de tela verde e efeitos digitais por computador que haviam sido usados na maior parte dos outros filmes de heróis, por locações naturais espalhadas pelo mundo.

E a lista de ousadias não para por aí: Os Eternos tem a primeira cena de sexo de um filme da Marvel, a primeira atriz surda-muda a viver uma heroína nos cinemas e o primeiro beijo gay em um filme de heróis. Heróis estes que, vale ressaltar, representam os diversos povos e públicos do planeta: latinos, asiáticos, europeus, africanos e americanos.

O novo protagonismo feminino em Os Eternos

Sem dar muitos spoilers sobre o filme, Os Eternos conta a história de um grupo de super-humanos criados há mais de 7.000 anos por deuses conhecidos como Celestiais. A missão dos Eternos na Terra é unicamente a de combater criaturas malignas chamadas Deviantes, sem interferir demais nos assuntos dos humanos.

Sendo assim, Os Eternos são testemunhas e espécies de agentes ocultos em diversos eventos da história da civilização, da criação dos Jardins Suspensos da Babilônia à destruição dos povos maias e astecas no México, passando pelas grandes guerras e, claro, o famoso “estalo de Thanos” que acabou com 50% da população do planeta no universo Marvel nos cinemas.

Entre as mudanças importantes que Chloé Zhao faz à versão original dos quadrinhos de Jack Kirby está a de transformar Ajak, em uma personagem feminina, interpreteda por Salma Hayek. No filme, Ajak é a líder original dos Eternos, e exerce essa liderança de maneira solene e sem muitos questionamentos, pelo menos até certa parte da história que não vou revelar para não estragar a experiência de quem não viu.

No momento em que há um vácuo de liderança e os heróis têm de decidir entre os nove restantes qual deles deve liderar o grupo, mais uma vez esse papel recai sobre outra personagem feminina. Seu nome é Sersi (vivida pela atriz Gemma Chan, também de ascendência chinesa).

Apaixonada por Ikaris, para muitos o líder “por direito” dos Eternos, Sersi é mostrada como uma mulher empática, profundamente comprometida em proteger a humanidade. A escolha da diretora e dos roteiristas por ela não é à toa e diz muito sobre a visão de Os Eternos sobre a diversidade e as qualidades de uma liderança feminina.

Há até uma piada interna sobre isso no filme, que aparece em um dos trailers de Eternos. Os Eternos estão conversando descontraidamente sobre a morte do Homem de Ferro e o sumiço do Capitão América mostrados no último filme dos Vingadores e sobre como isso abria uma vaga para líder o famoso grupo de heróis da Marvel.

“Agora que o Homem de Ferro e o Capitão Rodgers se foram, quem vocês acham que poderia liderar os Vingadores?”, pergunta uma personagem. Ikaris, o macho-alfa do grupo, não titubeia. “Bem, eu poderia…” Os demais Eternos se entreolham e caem na gargalhada.

Lacração ou lucro?

Muitos chamariam — e chamam — as decisões de Chloé Zhao e do estúdio de aumentar a diversidade e a representatividade nos filmes e quadrinhos da Marvel de “lacração”. Reclamam que histórias de super-heróis não são lugar para esse tipo de discussão e que gêneros e sexualidade dos personagens de gibis criados décadas atrás não deveriam ser abordados.

Independentemente da sua opinião, a questão é que a indústria e o mercado estão cada vez mais interessados em fazer essa discussão, e em agir sobre ela. Senão por questões éticas ou morais, ao menos por seus aspectos econômicos. Afinal, mulheres, gays, pessoas de todas as raças, gêneros e origens também consomem filmes de super-heróis e cada vez mais querem se ver representados neles.

O mesmo vale para empresas. Estudo feito pela Samsung sugere que 85% dos brasileiros apoiam que as empresas invistam na diversidade em sua comunicação.

Já um outro estudo, do Peterson Institute for International Economics, mostra que empresas que aumentaram em até 30% a participação das mulheres em funções de liderança tiveram crescimento de 15% na rentabilidade.

Mais do que “lacração”, estamos falando de lucros. E esses ganhos se dão não por uma questão política ou ideológica, mas simplesmente por que aumentando a diversidade e empoderando lideranças femininas abrem-se outras maneiras de enxergar o mundo e os negócios que trazem vantagem competitiva às empresas.

As características das lideranças femininas

Mas afinal, o que é que as lideranças femininas têm de tão diferente e por que elas são tão essenciais nos dias de hoje?

Uma pesquisa realizada por Jack Zenger e Joseph Folkman nos primeiros meses da pandemia de covid-19, e divulgada pela Harvard Business Review, revelou que as mulheres são melhores líderes em situações de crise.

Os pesquisadores cruzaram dados tanto de governantes mulheres que atuaram melhor que suas contrapartes masculinas durante o combate à pandemia quanto pesquisas em empresas e chegaram a um conjunto de características comuns presentes nas lideranças femininas.

Entre essas características destacam-se:

– Líderes mulheres têm maior facilidade de comunicação e de conduzir relacionamentos, conquistando a confiança dos times e trabalhando bem em equipe

– Lideranças femininas são mais empáticas, sensíveis e atentas às emoções e o bem-estar de seus colaboradores

– Mulheres são mais afeitas a um modelo de liderança horizontal, compartilhando informações e poder, motivando e desenvolvendo melhor seus colaboradores

– Acostumadas a fazer jornada dupla e a enfrentar pressões e competição no trabalho, mulheres são mais flexíveis, aptas a encontrar soluções ágeis e otimizar o tempo

– Lideranças femininas também tendem a ser mais observadoras e atentas aos detalhes, capazes de desenvolver uma visão sistêmica dos problemas da companhia.

Dá pra entender agora por que até nos filmes de super-heróis as mulheres também estão com tudo?

Se ainda não viu Os Eternos, fica a sugestão e a inspiração para refletir sobre como um pouco mais de diversidade, na arte, na vida ou no trabalho, nunca é demais!