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Como ser criativo sob pressão? Faça como os Beatles

Beatles Get Back como ser criativo sob pressão?
Diego Assis
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Imagine que você precisa criar um novo produto do zero e tem só duas semanas pra isso. Você tem toda a estrutura e verba que precisar, mas ao final do prazo tem de colocar nas prateleiras um produto atraente, vendável e, acima de tudo, que faça jus à história da sua marca. Agora a bola é sua: você só precisa ser criativo!

Travou?

Você não está sozinho. Acontece com todo mundo e aconteceu com os Beatles, a banda mais importante da história da música pop e, provavelmente, uma das mais criativas que já conhecemos. Em janeiro de 1969, Paul McCartney, John Lennon, George Harrison e Ringo Starr se reuniram para produzir aquele que seria o último trabalho conjunto dos Beatles: um álbum com 14 músicas, que seria gravado ao vivo, em um só take, durante uma transmissão de televisão para o mundo todo.

Apesar do sucesso comercial gigantesco àquela altura, a banda tinha parado de fazer shows havia três anos e os desentendimentos e divergências entre seus integrantes já eram notícia na imprensa, apontando para um fim próximo do quarteto.

As sessões de criação, que culminaram no álbum e no documentário Let It Be (1969), foram registradas por uma equipe de filmagem e engenheiros de som e as mais de 160 horas de gravação foram agora revisitadas pelo diretor Peter Jackson (da trilogia O Senhor dos Anéis) e transformadas em um novo documentário batizado de “Get Back”, disponível para os assinantes do serviço de streaming Disney Plus.

Se você é maluco pelos Beatles — como nós aqui na Rock Ensina — ou simplesmente quer entender como se desenrola o processo de criação de algumas das maiores obras da música pop, sugiro que vá assistir. Enquanto isso, vamos discutir neste artigo alguns dos aspectos sobre criatividade, trabalho em equipe, dilemas das lideranças e tomadas de decisão em situações difíceis e sob pressão.

Criatividade não é dom, nem só fruto de inspiração

Antes de mais nada, vamos tirar da frente o mito de que criatividade é dom ou 100% fruto de inspiração. Por mais talentosos e inventivos que os Beatles tenham sido, o documentário Get Back deixa claro que o processo de composição de um disco não é uma tarefa que dependa apenas da imaginação ou da “genialidade” precoce de seus integrantes.

Jeff Dyer, Clayton M. Christensen e Hal Gregersen, autores do livro O DNA do Inovador, já diziam que apenas 25% a 40% do que chamamos como criatividade está relacionada à genética, o restante vem de pura prática. E os pouco mais de 20 dias de trabalho dos Beatles revelados no documentário são exatamente isso: muita prática, transpiração e repetição até que os integrantes conseguissem transformar os fiapos de ideia que tinham no começo em faixas antológicas como Get Back, Don’t Let Me Down e Let It Be.

Diferentemente de trabalhos anteriores, como Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band (1967) e o Álbum Branco (1968), resultantes de horas de experimentação, colagens e truques de gravação, a proposta de Get Back, como o próprio nome sugere, era de uma volta às raízes dos Beatles, aos tempos em que eles compunham, ensaiavam e gravavam as músicas de um disco em sessões de gravações ao vivo no estúdio.

Para repetir o feito, em um prazo tão apertado, eles tiveram de trabalhar duro, chegando cedo e passando horas no estúdio, compondo e aprendendo todas as partes das canções até que estivessem prontos para o show onde o disco seria gravado. O cansaço e os bloqueios criativos tornam-se visíveis à medida em que os dias do calendário vão avançando. Faltando 2 dias para o show, eles não tinham nem metade do repertório ensaiado e sequer o local onde ele aconteceria!

Brigas, câmeras e ação: como ser criativo dentro de uma panela de pressão

Se o prazo apertado e a magnitude do projeto já não eram pressão suficiente, as sessões de Get Back tinham ainda outros enormes desafios pela frente. Um dos maiores deles era o clima de tensão entre os quatro beatles. As brigas e desentendimentos entre Paul e John, George e Paul ou Ringo e os demais integrantes já eram notórias àquela altura, seja por diferenças criativas, seja pela presença constante e por vezes incômoda de Yoko Ono, entre eles. E tudo isso captado 24 horas por dia diante de dezenas de câmeras.

Ringo já tinha deixado temporariamente a banda em 1968 e durante as sessões de Get Back aparece visivelmente deslocado em diversas tomadas. Nas quase 8 horas do documentário — que é dividido em 3 partes — ele tem pouquíssimas falas, raramente opina e parece apenas fazer o trabalho à bateria.

As tensões também crescem bastante entre George Harrison e Paul McCartney. Principal compositor dos Beatles ao lado de John Lennon, Paul demonstra um estilo centralizador e por vezes autoritário de liderança. Ele quer controlar todas as variáveis e seguir um planejamento, o que destoa do estilo de George, mais dado ao improviso e à busca pela inspiração artística. “Vamos tocar o simples primeiro e depois complicar”, ordena Paul em determinado momento. “Estou cansado de ser o chefe. Tenho feito isso há anos. Parece que quero te diminuir, e fazê-lo parar de tocar, mas não estou. Só quero que todos paremos e demos um tempo até sabermos o que estamos tocando!”

George não se dobra e insiste que seu desejo é “esculpir as músicas”. No intervalo do almoço, deixa o instrumento de lado e comunica os colegas que podem continuar sem ele. “Estou saindo da banda. Nos vemos por aí nos clubs”.

A situação, que acontece em menos de uma semana do início das sessões, é certamente o maior golpe sobre a banda. Em vez de se abalar, porém, Paul retorna no dia seguinte e começa a dedilhar os acordes de uma nova música, Get Back, o single e mais importante faixa do álbum.

Trabalho em equipe: sem um integrante não existem os Beatles

Por mais que as divergências criativas entre eles pudessem parecer intransponíveis, a saída repentina de George Harrison durante as sessões de Get Back faz Paul e John refletirem sobre a inviabilidade de os Beatles existirem sem cada um dos seus quatro integrantes. Em uma conversa durante um almoço captada pelos microfones da equipe do documentário, Paul e John conversam e criticam abertamente os problemas que a liderança de McCartney exercia sobre o grupo. Os feedbacks são certeiros, Paul reconhece que tanto George quanto ele têm seus motivos e, no dia seguinte, todos vão à casa de George para convencê-lo a retornar.

O retorno de George para as gravações coincide com outra mudança importante no processo. Incomodados desde o primeiro dia com o local escolhido para o trabalho, os estúdios Twickenham, os Beatles conseguem convencer os produtores a transferir as sessões para o estúdio próprio da banda, no recém-inaugurado prédio da Apple Corps., a gravadora criada e comandada por eles.

A mudança de ares e a reaproximação de George deixa todos mais à vontade e os dias seguintes marcam os melhores em termos de composição e entrosamento entre os integrantes. Novas faixas como Dig a Pony, I’ve Got a Feeling e I Me Mine e For You Blue, estas duas últimas compostas por George, afloram e passam a contar com colaborações importantes de cada um dos integrantes.

A chegada do pianista Billy Preston, um velho conhecido dos primórdios da banda e ex-músico de Little Richard, faz com que as sessões fluam ainda melhor e o clima de tensão entre Paul, John e George praticamente desapareça. São de Preston os teclados de muitas das faixas que apareceriam em Let It Be e, diante da admiração que todos nutrem por ele, John chega a sugerir que o pianista se torne o quinto beatle.

Na dúvida? Segure a decisão até o último minuto

Se você é fã dos Beatles ou conhece um pouco da trajetória da banda, a essa altura já sabe como a história de Get Back termina: com um show antológico na cobertura do prédio da Apple Corp., em Londres. Mas como já dissemos acima, a decisão sobre o local — ou mesmo sobre a realização do show — não tinha sido tomada até dois dias antes da apresentação.

O assunto persegue os beatles desde o primeiro dia das gravações. Inicialmente, a proposta era a de fazer o show em um estúdio de televisão, com transmissão para o mundo todo, como já havia sido feito com o single de Hey Jude, lançado meses antes. A vontade do diretor do documentário, no entanto, era a de levar a banda para um local aberto, grandioso, uma espécie de anfiteatro romano localizado no litoral da Líbia. A logística era absurda e cara e alguns dos integrantes resistem a aceitar.

Frustrados com o andamento das composições e a perspectiva de que as 14 novas músicas, afinal, não fiquem prontas até o prazo combinado, faz com que eles cogitem inclusive cancelar a apresentação ao vivo. Paul, planejador como sempre, não fica contente com a ideia de que o provável último trabalho conjunto dos Beatles termine sem um grand finale. George, ao contrário, só quer deixar rolar. “As melhores coisas que fizemos juntos não foram planejadas. Você vai lá, faz e algo acontece”, resume.

A ideia de fazer o show no telhado da Apple só surge no penúltimo dia de gravação, quando o diretor e o engenheiro de som propõem a Paul que usem o local como cenário. Paul se empolga com a sugestão, mas hesita novamente e pede para ir para casa dormir e decidirem juntos no dia seguinte.

A produção amanhece preparando todos os equipamentos e instalando câmeras na cobertura daquele e dos prédios vizinhos e, chegada a hora, os quatro Beatles – mais Preston – aparecem e executam o lendário show que ficaria marcado como a última apresentação ao vivo da banda. Apesar do frio londrino e de toda a tensão dos dias anteriores, os Beatles tocam e se divertem como nunca e, enfim, apresentam as novas faixas ao mundo. O resto é história…

Checklist: 8 lições dos Beatles para ser criativo sob pressão

1. Procure um ambiente inspirador. As sessões de Get Back começaram em um estúdio impessoal demais, com problemas de acústica e desconfortável para os quatro integrantes. Apesar da resistência inicial dos produtores, bastou mudar o local para os estúdios da Apple que a criatividade começou a fluir.

2. Tenha as ferramentas à mão. Nunca se sabe quando você vai precisar de um martelo. Além de seus instrumentos favoritos, gravadores e mesas de som, os Beatles contavam com uma equipe de produção que se virava para descolar o que fosse preciso para transformar em realidade uma ideia que surgia. Um exemplo é o martelo e a bigorna providenciados pelo empresário de turnês dos Beatles, Mal Evans, que aparecem e fazem toda a diferença na faixa “Maxwell Silver Hammer”.

3. Mantenha o olho no relógio, mas se permita mudar, fazer pausas e desviar do rumo. Prazos precisam ser respeitados, não há dúvida. Mas também é preciso entender que em determinados momentos, quando o cansaço ou o bloqueio criativo surgem, não adianta insistir. Durante todas as sessões de Get Back, os almoços, horas de sono e finais de semana foram respeitados religiosamente, e foram neles ou após eles que grandes decisões ou ideias tomaram forma.

4. Seja tolo. Assistir às 8 horas do documentário Get Back pode ser entediante ou mesmo irritante para algumas pessoas. Quando não estão trabalhando nas músicas que fariam parte do repertório do show ou do futuro álbum Let It Be, os Beatles aparecem zoando as próprias músicas, fazendo bagunça ou se comportando como crianças. Quem olha de longe pode achar estranho, mas o fato é que esses momentos de descontração revelam-se essenciais para eles pudessem desopilar antes de voltar a se concentrar nas tarefas à frente.

5. Anote e grave tudo. O processo de criação é muitas vezes imprevisível. Nunca se sabe quando uma boa ideia vai surgir e, se você não estiver atento ou pronto para registrá-la, pode ser que ela se perca. Para evitar que isso acontecesse, os Beatles tinham assistentes escrevendo cada novo verso das letras que Paul e John iam improvisando e testando nos ensaios. É curioso testemunhar como sequências ou trechos inteiros de músicas que se tornararam marcantes para sempre surgiram quase ao acaso e, não tivessem sido gravadas, talvez tivessem se perdido para sempre.

6. Revisite seu repertório e busque inspiração nos mestres. Um dos grandes mitos sobre a criatividade, já desfeito por Austin Kleon no livro “Roube como um Artista”, é o da originalidade. Todo artista ou pessoa criativa começa emulando ou copiando os artistas que admira. Com os Beatles não é diferente. Em Get Back, eles recuperam e retrabalham faixas ou trechos de músicas do início da carreira que nunca tinham aproveitado e, em muitos momentos, recorrem a timbres ou melodias de seus ídolos do passado para construir as novas canções.

7. Faça brainstorming. A experiência de juntar diversas cabeças para debater e melhorar uma ideia é uma das mais importantes no processo de criação desde sempre. E isso não vale só para as pessoas diretamente envolvidas no projeto. Insights de pessoas de fora podem ser tão ou mais reveladores do que aqueles de quem está com a cabeça mergulhada no problema. A escolha sobre fazer o show no telhado da Apple é só um entre muitos exemplos de como ideias de fora podem melhorar um projeto.

8. Regra dos 45/2ºT. Espere até o último momento para decidir. Se as boas ideias não surgem, vá dar uma volta, almoçar ou tirar uma noite de sono. A procrastinação criativa é importante e necessária antes de uma grande decisão.

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